quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Persépolis

Marjane Satrapi é a personagem da história, a autora de uma banda desenhada sobre essa personagem e ainda uma das autoras do filme, em conjunto com Vincent Paronnaud. “Persépolis” é um filme de animação realizado em França usando métodos de desenho e traço tradicionais e que foi nomeado para os Óscares de 2008 como melhor filme de animação. O filme obteve ainda o prémio do júri de Cannes em 2007. Poesia visual, narrativa e sonora.


“Persépolis” é uma bela história sobre as diabruras de uma miúda durante as perseguições constantes no Irão efectuadas pelo regime ditatorial e posteriormente pelo Iraque. Marjane é uma criança num mundo em guerra, depois uma adolescente no exílio na Áustria e, finalmente, uma emigrante em França. A autobiografia não só é tocante porque está muito bem contada e é emocionalmente muito forte como consegue transpor a história de uma iraniana no Ocidente, com todas as incompreensões e estranhezas vividas, universalizando o assunto ao ponto de se gerar uma identificação com todos os regimes de ditadura. Para este efeito contribui, sem dúvida, aquilo que a autora considera, no making of do filme, uma forma de representação gráfica estilizada e abstracta, tirando partido de um traço simples e expressivo. Penso que este efeito, gerado pela essência estilística do traço, é tão notório que várias vezes, e isto ainda sem ter visto o making of do filme, dei comigo a pensar na expressividade daqueles olhos, daquelas bocas e daqueles gestos animados. Traços tão convincentes de provocar lágrimas. Traços essenciais onde nada está a mais, onde nada é decorativo. Uma simplicidade que toca o coração.


Os ambientes do filme são lindos, tiram partido de algumas texturas misturando-as com sombras e manchas muito estilizadas e planas. A composição dos ambientes é muito rica em matéria de linhas fundamentais e tira partido do claro-escuro e do contraste, pontuando o cenário com apontamentos de cor. A animação tradicional, que segundo os extras do filme, tira partido de técnicas que não se usavam há pelo menos 20 anos em França, acentua, através de um processo de homogeneidade do traço, o valor estético do filme. A sonoplastia é mágica e a voz de Chiara Mastroianni realça o lado cómico e ao mesmo tempo dramático da personagem de Marjane, uma miúda de nove anos que, entre o final dos anos setenta e o início dos oitenta do século passado, vê os seus familiares e amigos serem mortos por fundamentalistas que tomam o poder e obrigam as mulheres a usar véu e a obedecer a regras sem sentido nenhum. Marjane, uma miúda que gostava de dançar ao som dos Iron Maiden, do movimento punk, usar ténis de marca e blusões com frases activistas. Uma miúda como outra qualquer que gostava aos nove anos de ser profeta.

O filme foi realizado depois do sucesso de dois livros autobiográficos de banda desenhada publicados por Marjane Satrapi sob o mesmo nome, “Persépolis” I e II, e não quer abdicar da memória daqueles que perderam a sua liberdade para combater um regime repressivo e que impunha valores apenas legitimados por alguns. Uma animação demasiado bela para ser verdade…